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A Doença Mental na Adolescência: como identificar e prevenir.

Como o adolescente vive fase de intensa transformação biológica, sintomas de distúrbios mentais podem passar despercebidos. Por isso, é preciso redobrar a atenção

Adolescentes são rebeldes por natureza. Essa visão é comum em muitas famílias que se esforçam para entender as transformações biológicas dessa fase da vida, cujo poder é capaz de tornar os jovens instáveis e distantes dos pais. O normal é que as variações de humor da adolescência se atenuem com o tempo. Porém, a instabilidade própria da idade pode esconder sintomas de complicações mentais mais graves, cujo tratamento depende essencialmente do estágio evolutivo das doenças - o que torna fundamental a atenção de pais e educadores em relação a sinais incomuns de comportamento em crianças e adolescentes. Os sintomas em questão podem, muitas vezes, assemelhar-se às variações de comportamento normais da adolescência - como períodos de isolamento, auto referência acentuada (quando o jovem acha que é a causa de todos os acontecimentos ao seu redor) e mudanças no rendimento escolar. Porém, essas alterações tendem a ser bem mais intensas e constantes do que aquelas causadas pela variação hormonal da idade.

"É comum, na adolescência, que o indivíduo dê mais preferência à companhia dos amigos do que ao convívio com os pais, e isso não deve ser encarado como mudança preocupante de comportamento. Mas, em caso de doença mental, o jovem começa a se isolar socialmente, ou pode unir-se a outros adolescentes com problemas. A queda do rendimento escolar e a baixa autoestima também são indicadores importantes de distúrbios”, diz Maria Cristina Lombardo, médica do serviço de psiquiatria da Infância e da Adolescência do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, melhor será o prognóstico. Já percebemos registro de sintomas a partir dos cinco anos de idade. O ideal é que o tratamento comece assim que for detectada a doença.”.

Do prazer à dependência

A dependência psicológica de drogas ou álcool é um distúrbio mental que, muitas vezes, leva à dependência química. Por isso, distinguir o momento em que o jovem começa a depender psicologicamente de determinada substância é fundamental.

A dependência psicológica pode ou não acontecer em conjunto com a dependência física da droga, e provoca atos não condizentes com o comportamento normal anterior do adolescente – como mentir ou furtar. Sua visão em relação ao ambiente também muda: ele perde o interesse por hobbies ou antigos amigos, e passa a encarar a droga como a solução para seus problemas ou como o centro de todas as suas atividades - passando por picos de ansiedade e depressão. Entre os sintomas físicos, estão as alterações no sono, no apetite e os sinais de síndrome de abstinência (mal-estar, tremedeiras) quando se mantém muito tempo longe das drogas.

Análise dos sintomas deve acertar no alvo

Alguns dos distúrbios mentais diagnosticados na infância e na adolescência são a depressão, a neurose, quadros de fobias e, em menor grau, a esquizofrenia. Embora grande parte das doenças seja fruto da propensão genética, elas podem ser agravadas ou desencadeadas por situações de pressão no ambiente doméstico ou escolar. Alterações mal recebidas na vida cotidiana da criança podem gerar distúrbios como stress ou fobias, ou desencadear quadros mais graves de doenças como depressão ou esquizofrenia. Entre os fatores que podem potencializar a propensão genética de doenças mentais, incluem-se também o consumo de álcool e de drogas.

“A tendência ao uso de drogas pode ser, em si, patológica, ou induzir quadros de surtos psicóticos”, explica Mônica Seincman, coordenadora do Curso de Formação em Psicanálise de Crianças do Centro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo. A psiquiatra Maria Cristina explica que as doenças mentais também são, por sua vez, fortes fatores estimulantes do consumo de drogas. “Vinte a trinta por cento dos casos de entrada dos jovens nas drogas estão relacionados a quadros de depressão.”.

A instabilidade do ambiente familiar ou a influência de fatores externos, como o consumo de drogas, podem dificultar ainda mais o diagnóstico precoce das doenças mentais – já que o jovem não se sente próximo da família o suficiente para expor suas dificuldades. Por isso, é importante cultivar a observação atenta e o bom relacionamento constante com a criança ou o adolescente, para que se possa detectar o problema antes que ocorra alteração irreversível no comportamento afetivo ou cognitivo do jovem. “Por não ter ainda o psiquismo formado, e mais difícil diagnosticar precisamente a doença na criança, já que ela não apresenta, queixas e não tem, no caso da esquizofrenia, a capacidade de construir delírios, como o adulto”, explica Maria Cristina. “A criança esquizofrênica se isola e os sintomas podem ser facilmente confundidos com a depressão”. Ela chama a atenção para o perigo do diagnóstico equivocado. “Medicamentos antidepressivos aumentam o nível de serotonina no organismo, enquanto os remédios para tratamento da esquizofrenia diminuem a serotonina. Dessa forma, remédios incorretos acabam potencializando os sintomas do paciente e podem induzir até mesmo ao suicídio”. O diagnóstico adequado e precoce favorece, também, maiores alternativas de tratamento das doenças. “Por ainda apresentar uma estrutura psicológica em formação, a criança oferece um espaço de atuação terapêutica maior, porque se pode trabalhar com vários tipos de linguagem não-verbal até que se chegue a um nível de comunicação ideal com o paciente”, diz Mônica. “Porém, nossa responsabilidade junto ao paciente também e maior, na medida em que se exerce influência mais acentuada na formação psicológica da criança”.

Percebendo a Depressão

Tristeza, melancolia ou mau humor são sentimentos normais na adolescência. Porém, quando esses sentimentos duram semanas ou meses e passam a prejudicar a vida normal da criança, podem ser sinais de depressão. A depressão é causada por diversos fatores, entre eles os baixos níveis de neurotransmissores no cérebro - fruto de herança genética, desencadeada por algum fato significativo como a morte de um parente próximo, divórcio dos pais, mudança de residência ou mesmo stress. Doenças crônicas ou medicamentos também podem levar à depressão.

Entre os sintomas da doença, estão: tristeza sem motivo aparente; falta de ânimo para tarefas simples; perda de interesse em atividades antes apreciadas; isolamento da família e amigos; picos de irritabilidade, raiva ou ansiedade; dificuldade de concentração; falta ou excesso de apetite; dificuldade em adormecer ou acordar; sentimento de culpa; dores sem motivo físico aparente; falta de interesse pelo futuro; pensamentos frequentes em torno da ideia de morte ou suicídio.

Caso seja confirmada a doença, é essencial a presença tranquilizadora dos pais no auxílio ao tratamento – embora a depressão seja a primeira causa de suicídios entre jovens, 80% dos casos encontram tratamento eficaz por meio da combinação de terapia e medicamentos prescritos pelo psiquiatra.

Evolução das pesquisas

O poder da intervenção terapêutica diante dos sintomas mais precoces, já comprovado pela vivência medica, será agora mensurado de forma mais completa por meio de um estudo de dimensões mundiais que terá início em 2001, realizado pela Universidade de Nova York sob a coordenação do psiquiatra brasileiro Eduardo Costa e Silva, diretor do Centro Internacional para Políticas e Pesquisas em Saúde Mental daquela instituição. A pesquisa analisará, durante cinco anos, 1200 adolescentes com propensão ao desenvolvimento da doença, em 20 países diferentes. “Com esse estudo esperamos identificar os sintomas realmente precoces, que surgem dois ou três anos antes do aparecimento efetivo da doença, e confirmar se a intervenção terapêutica anterior e realmente capaz de deter o processo”, explica Costa e Silva. A primeira fase da pesquisa, que deve durar dois anos, centra-se no estudo das manifestações clínicas da doença. A partir daí, serão administrados os medicamentos já existentes no mercado e observado o grau de resposta dos pacientes. “Jovens com antecedentes familiares de esquizofrenia apresentam chances dez vezes maiores de desenvolver a doença. Índices de desempenho fora do normal em testes cognitivos também são fortes 'pistas' na detecção do distúrbio”, explica ele.

O estudo pretende estabelecer elementos de diagnóstico da esquizofrenia em pacientes com idade entre 15 e 18 anos (a época média de manifestação da esquizofrenia acontece entre os 18 e os 20 anos de idade). Com o diagnóstico precoce, aumentam também as chances de controle e reversão do quadro. “O ideal é que tenhamos técnicas de diagnóstico capazes de perceber e tratar desses distúrbios com o máximo de antecedência possível. A Medicina deve aprender a combater a doença mental cada vez mais cedo”, completa o psiquiatra.

Stress também é coisa de criança

O acúmulo de tarefas, somadas às mudanças físicas comuns adolescência, podem causar stress em nível igual ou maior do que o causado pelas obrigações da vida adulto. O stress crônico é, algumas vezes, confundido com mal-estar físico, pois pode desencadear sensações como dores de estômago, dores de cabeça ou musculares. Outros sintomas são: diarreia ou indigestão, dores nas costas, insônia, alterações no apetite, irritabilidade, ansiedade, crises de choro ou grande frustração em relação a coisas de menor importância.

Entre as formas eficazes de combate ao stress estão os exercícios físicos, o contato com os amigos em atividades recreativas, atividades extracurriculares como música ou teatro e atividades sociais como o voluntariado. Durante o estudo ou trabalho intenso, são eficazes, também, pausas para respiração e relaxamento dos músculos e da coluna. Relaxar a respeito de suas próprias metas e relativizar questões também são medidas importantes em situações de stress. E uma medida fundamental para o combate à tensão e manutenção da boa saúde: manter-se sempre distante de bebidas, fumo ou drogas.